por Aparecido Camazano Alamino
HISTÓRICO
Em meados da década de 30, quando o Chanceler Adolf Hitler assumiu o poder na Alemanha, a mesma estava traumatizada com as proibições impostas pelo Tratado de Versalhes (que estabeleceu as sanções à Alemanha após o fim da Primeira Guerra Mundial – 1914 a 1918), principalmente o adendo que proibia ao país ter a sua própria aviação militar.
Nesse cenário, inúmeros artifícios foram iniciados para a criação de uma força aérea na clandestinidade, que até então só empregava planadores para a formação de seus pilotos com possível emprego militar. Assim, a Luftwaffe carecia de aeronaves de todos os tipos, principalmente as de treinamento para as diversas modalidades de tarefas, as de bombardeio e as de transição para as aeronaves bimotoras.
O então jovem projetista aeronáutico germânico Kurt Tank foi encarregado pela Focke-Wulf para dar início ao projeto de uma aeronave bimotora, que fosse utilizada tanto para treinamento, como para fazer missões de bombardeio leve, dentro do cenário de combate europeu, ambulância aérea e outras. Desse encargo nasceu um robusto avião bimotor, que tinha características polivalentes e atendia plenamente aos requisitos estabelecidos.
Tal aeronave, designada de Fw 58 e chamada de “Weihe”, que significa um tipo de ave marinha europeia, realizou o seu primeiro voo em 1935, tendo o seu protótipo, matriculado D-ABEM, ultrapassado as expectativas estabelecidas, tanto para uso civil como para possível emprego militar.
Como despiste para as autoridades responsáveis pela fiscalização das proibições do armistício, as primeiras aeronaves produzidas foram destinadas para uso civil, principalmente nas linhas de pequena densidade na Alemanha e na Europa, sendo que o próprio Kurt Tank passou a utilizar uma aeronave Weihe para o seu transporte pessoal, matriculado D-ALEX.
Quando Hitler sentiu-se o suficientemente seguro, resolveu romper definitivamente o Tratado de Versalhes, sendo a Luftwaffe novamente “recriada” e o Fw 58 foi de grande utilidade para emprego nas tarefas de treinamento de pilotagem para bimotores e de voo por instrumentos, navegação aérea, treinamento de bombardeio e muitas outras, inclusive com o uso de flutuadores. A Guerra Civil Espanhola propiciou o seu batismo de fogo em combate, onde pode mostrar, na prática, toda a sua polivalência.
O Fw 58 foi construído em várias versões, a saber:
- B-1: treinamento e transporte;
- B-2: bombardeiro leve, equipado com metralhadoras Rheinmetall Borsig MG15 em um nariz transparente e em uma torreta dorsal, e bombas de 25Kg;
- C: transporte, equipado com portas nas laterais da fuselagem, acima das asas;
- Ki-2: transporte civil para seis passageiros, com a fuselagem traseira de perfil diferente, de forma a propiciar maior espaço para os passageiros;
- S: avião ambulância (“sänitatsflugzeug”);
- W: variante da versão B-1, equipado com flutuadores.
Cerca de duas mil unidades do versátil bimotor foram construídas, sendo utilizado pelos seguintes países: Alemanha, Argentina, Áustria, Brasil, Bulgária, China, Dinamarca, Espanha, Holanda, Hungria, Romênia, Suécia e Turquia.
O Focke-Wulf Fw 58 NA AVIAÇÃO NAVAL BRASILEIRA
A Aviação Naval Brasileira, em meados da década de 30, carecia de uma aeronave bimotora para atender as suas necessidades de apoio para a Esquadra, treinamento de suas equipagens, assim como realizar as missões do Correio Aéreo Naval.
A solução adotada seria a fabricação no Brasil, sob licença, de uma aeronave que atendesse a essas necessidades. Após inúmeros estudos, a aeronave escolhida foi o Fw 58 Weihe, que integrou um “pacote” para a aquisição de aeronaves alemãs de treinamento, que incluía como treinador primário o Fw 44 Stieglitz, o Fw 56 Stösser como treinador básico e acrobático e o Fw 58 Weihe como treinador em bimotores e bombardeio.
Em decorrência do início da Segunda Guerra Mundial em 1939, tal pacote só foi cumprido parcialmente, pois os Stösser nunca chegaram a ser produzidos no Brasil, porém, o programa do Fw 58 teve início imediato, pois já em julho de 1937, chegava ao Rio de Janeiro o primeiro Fw 58-B2, que seria montado nas Oficinas Gerais da Aviação Naval – OGAvN, assim como os componentes de mais dez aeronaves, que seriam montadas pelos brasileiros, sob a supervisão de técnicos alemães.
A primeira aeronave montada no Brasil, que foi matriculada como D2Fw-147 na Aviação Naval, foi considerada o protótipo do Fw 58-B2 brasileiro e serviu de molde para a montagem dos outros aviões, assim como para a familiarização e para o treinamento dos pilotos e dos mecânicos da Aviação Naval, sendo apresentado pronto ao público e autoridades no dia 30 de julho de 1937.
Os outros dez aviões que estavam encaixotados passaram, imediatamente, ao processo de montagem e a 20 de abril de 1938, o primeiro Fw 58-B2 desse lote era entregue oficialmente para operação, sendo que já em 04 de outubro do mesmo ano, a última aeronave do lote de dez era oficialmente incorporada à Aviação Naval Brasileira.
Tais aeronaves receberam as matrículas de D2Fw-168 a D2Fw-177, sendo destinadas à Segunda Esquadrilha de Adestramento Militar – 2ª EAM, onde foram utilizadas como treinadores avançados para as tripulações, aerofotogrametria, navegação e outras. Essa designação obedecia à seguinte formalística da Aviação Naval: D2FW-168: D = Emprego Geral, 2 = Segundo modelo desse fabricante, Fw = Focke-Wulf e o 168 = O número da aeronave dentro de sua série.
Como curiosidade, além da matrícula, o sistema de numeração das aeronaves Fw 58 da Marinha tinha os seriais, relativos à esquadrilha que dotavam, pintados na sua fuselagem, em grandes dimensões e ostentavam a cor alumínio padrão das aeronaves da Marinha nessa época. Assim, as matrículas das primeiras aeronaves da Segunda Esquadrilha de Adestramento Militar foram pintadas inicialmente com 2-EAM-1 a 2-EAM-8, que significava: 2 = Segunda Esquadrilha, EAM = Esquadrilha de Adestramento Militar e 1 a 8 = era o número da aeronave na esquadrilha. Posteriormente, essa numeração foi substituída pelo sistema 2-V-1 a 2-V-11, sendo o V = Adestramento e a sequência das matrículas não foram necessariamente obedecidas (este esquema de matrículas foi copiado do utilizado pela U. S. Navy, sendo que a Aviação Naval Argentina o utiliza até a atualidade).
Após o término da construção da primeira série de aviões, que foram montados nas OGAvN, foi dado prosseguimento à segunda fase do projeto, que previa a fabricação de mais 25 aeronaves, sendo estas com a utilização de inúmeros componentes produzidos no Brasil, como a madeira contraplacada, pneus, hélices, freios etc.
Esses aviões foram designados como V2AvN pela Marinha e Fw 58-V9 pela fábrica, sendo matriculados de V2AvN-209 a V2AvN-223, onde: V = Adestramento, 2 = Segundo modelo produzido pelas OGAvN e AvN = Designativo do fabricante (Aviação Naval). Tal sistemática de designação procurava diferenciar os aviões montados no primeiro lote, dos fabricados com componentes e peças produzidas no Brasil.
Os trabalhos de produção dessas aeronaves começaram em ritmo intenso e, já em 08 de maio de 1940, realiza o seu voo inaugural a primeira aeronave produzida no Brasil, sendo os seus pilotos os tenentes aviadores navais Sampaio e Menezes.
No mês seguinte, tal aeronave empreendeu uma viagem pioneira a Santos e a Florianópolis, onde demonstrou ser mais lenta que a versão anterior, tendo em vista o maior peso da madeira nacional utilizada em sua fabricação, além das inúmeras mudanças que incorporava, como trem de pouso monotelescópico, porta de acesso na parte superior da asa no lado esquerdo e pintura no padrão cinza naval dos aviões de treinamento alemães (RLM 63 Hellgrau).
A operação dos Fw 58 na Aviação Naval encerra-se no dia 20 de janeiro de 1941, em decorrência da criação do Ministério da Aeronáutica, com a consequente entrega das aeronaves da Marinha para a nova Força, sendo que até esse momento tinham sido fabricados três aviões da série Fw 58-V9.
Características técnicas (Focke-Wulf 58B-2)
Motor | 2 motores Argus AS 10c de 240 HP, 8 cilindros em “V”, invertido, refrigerado a ar |
Envergadura | 21,00 m |
Comprimento | 14,20 m |
Altura | 4,21 m |
Superfície alar | 47,00 m2 |
Peso | 2.400 kg (vazio); 3.600 kg (máximo) |
Velocidade | 263,00 km/h (máxima) |
Razão de ascensão | 180,58 m/min |
Teto de serviço | 5.400 m |
Alcance | 730 km (máximo) |
Armamento | Duas metralhadoras Rheinmetall Borsig MG15, de 7,92 mm, instaladas no nariz e na torreta dorsal; 8 cabides de bombas de 25 kg na seção interna das asas; Duas metralhadoras Browning .30 pol no nariz (durante a IIª Guerra Mundial); 1 cabide externo de 113,4 kg (adaptado durante a IIª Guerra Mundial). |
Vistas laterais
Bibliografia:
- Arquivos do historiador aeronáutico Carlos Eugênio Dufriche.
- Arquivos do historiador aeronáutico Aparecido Camazano Alamino.
- Aviation News Magazine, Vol. 19, Nº 05, Junho 1990.
- Presença da Força Aérea na Baixada Santista, Base Aérea de Santos, 22/10/78.
- F.C. Pereira Netto, “Aviação Militar Brasileira 1916-1984”, Editora Revista de Aeronáutica, Rio de Janeiro, 1984.
- J. Flores Júnior, “Aviação Naval Brasileira”, Action Editora, 1995.
- R. Terlizzi, “Os FW-58B no Brasil”. In: Revista IPMS – Florianópolis – Plastimodelismo nº 05, julho de 2000.
- T. Wood, B. Gunston, “Hitler’s Luftwaffe”, Salamander, 1977.